segunda-feira, setembro 25, 2006

Fortunas


está tudo em pé
tudo caminhando

é hora de construir meu pequeno castelo
e economizar alguma grande fortuna
não há muito tempo e nem muitas coisas
para se perder

um e outro
passam ao meu lado
e tecem elogios aos meus pensamentos
quem diria?
que ironia improvisada

são pessoas e trabalham muito
e eu até que gosto do trabalho
mas não,
não respeito os trabalhadores

está na hora de montar
um imenso castelo de cartas da vida
em notas de vinte, de cinquenta e de cem
e daí em diante
serão só reclamações no meu jogo

passam ao meu lado
e lançam laboriosos elogios
respondo com lamúrias e palavrões
disfarçados de sorrisos

aproximem-se
isso, mais perto
e o tiro acerta o teu rosto
bem no centro
no nariz

tem sempre a hora da desconstrução
que o vento desfaz o castelo de cartas
levando as notas e a poeira
em direção ao contraste melancólico
das lâmpada dos postes contra o céu escuro
numa noite fria em preto e branco

mais perto, vem
tome, um gole
traga o fígado e o pulmão
sente-se, esqueça de tudo
e aproveite o que sobrou de sua garrafa

enquanto isso, bato estaca
bato cartão e bato a garganta seca
no balcão-labore
de purgantes dias ébrios
que nunca bastam para meus maus-humores

que descobri que sóbria é a noite
embebida e embevecida
por álcoois e ares
inerentes ao betume espesso
que pisamos nossos pés

sóbrios são os braços da escuridão
nos quais nos jogamos sem medos
e sem cabeças pra pensar
em ganhos ou danos

descobri que tudo é o inverso
e que ébrios são vocês
por isso não os respeito

passa do meu lado
chega mais
toma um gole dessa nossa lúcida bebida

tira esse gosto de traição
da ressaca dos dias sem gosto
que você vive por aí

aproxime-se
destrua o castelo de notas flutuantes
da monótona música cotidiana

lembra do nariz?
quebra a cara na parede do castelo
se quiser

terça-feira, setembro 12, 2006

Relato VI



Esse é um texto escrito há uns dois meses pro Relatos, que eu achei que merecia vir pro lado de cá.


Dois amigos, numa mesa de bar, prosseguindo uma conversa:

- ...daí eu peguei e falei pro cara, "pô, tá faltando o troco". Sabe o que ele me disse? Sabe o que ele me disse? O cara falou que tava certo, você acredita? Vou te falar... se não fosse uma merreca eu ia... (e ontinua falando)

O outro, com cara de preocupado:

- Meu, eu peguei a mulher do cara!
- O quê?
- Eu peguei a mulher do cara!
- Que cara? Tá louco?
- Você sabe que cara! Eu peguei a mulher dele, ontem.
- Ontem...? Não acredito! Quer dizer que... você... você... você pegou a mulher do cara? Que maravilha! Eu devia ter ficado aqui pra ver! E eu que pensava que aquela delícia era uma santa...Mas e aí, como é que foi?
- O cara apareceu por lá...
- O cara... sério? Ele te viu com ela?
- Não deu tempo, saí pelos fundos.
- Ainda bem!
- Só que tinha uns amigos deles lá, no bar, antes dele chegar.
- Porra! E ela não falou nada?
- Ela não passa de uma vadia!
- Cacete, cê tá ferrado!
- Pode ser...
- Então vamos sair daqui, qualquer hora ele chega.
- Que nada!
- Chega sim! O cara vem aqui todo dia, você sabe!
- Sei! Por isso mesmo vou ficar. Ir embora que nada!
- Tá louco?
- Não, meu amigo! Vou embora e depois sumo do mapa? Nem de brincadeira. Vou ficar aqui.
- Você tá louco!
- Que nada. Não é nada que umas boas porradas não resolvam.
- Exatamente! O cara vai te estourar a cara!
- Pode ser, mas pelo menos uma ou duas eu acerto nele.
- Você não passa de um doente! Vou ficar aqui pra ver isso. E você sabe que o cara resolve tudo sozinho, se eu tentar entrar pra ajudar o pessoal dele me esquarteja!
- Eu sei, seu cagão! Não esquenta a cabeça, o negócio é entre nós dois.
- Não é assim... se eu pudesse ajudar... Aliás, tem tempo ainda! Vamos sair daqui!
- Não saio daqui nem que chova mulher lá fora! Sabe que valeu a pena?
- Valeu a pena? Eu que vou ter pena do que sobrar de você!
- Não, tô falando sério! Valeu a pena mesmo! Aquela vadia sabe como faz a coisa... Quer saber? Vou destruir o cara e ficar com ela pra mim!
- Cacete, além de louco me vem agora com esse papo machista do cacete? Logo você, que nunca foi disso? Tá pensando que é assim que as coisas funcionam?
- Não, nada disso! Eu sei que não é assim. Não tô sendo machista...
- Ah, não? Tá sendo o quê então com esse papo escroto de home das cavernas?
- Tô jogando com a a situação. Eu sei que não é assim que acontece, geralmente. Mas eu sei que com ela é assim. Tô te falando que ela não passa de uma vadia!
- E você quer essa vadia pra você... Pra quê?
- Pra nada! É só o lance da conquista mesmo. Depois eu penso o que fazer com ela... Mas primeiro vou ganhar essa mulher no braço!
- Vai quebrar a cara, isso sim!
- Pode ser, vamos ver... olha lá ele!
- Onde?
- Ali, na porta. Tá com a vadia do lado...
- Cacete, é mesmo! O cara te viu! Tá vindo pra cá! Ele vai te pegar, meu! Olha os olhos dele!
- Cala a boca você! E VOCÊ AÍ???

O cara:

- Eu O QUÊ, CACETE?
- TÁ OLHANDO O QUÊ??? TÔ CAGADO???

Disse isso e pulou pra cima do cara. O cara se esquivou. Depois disso os dois se atracaram e a brincadeira rolou solta pelo bar. Conseguiu acertar muito mais do que planejara. Foi atingido muito menos do que pensara. E foi assim. Depois de longos quinze minutos de brincadeira sem ninguém querer entrar pra atrapalhar, os dois se afastaram, sangrentos, inchados, cansados e empatados. Cada um sentou numa mesa. O dono do bar trouxe duas cervejas por conta da casa. Os curiosos se dispersaram e a noite foi retomando as características rotineiras de uma noite qualquer. Eles bebiam com calma, quietos. Seus olhares não se cruzavam. Qualquer pessoa, olhando as expressões de cada um deles, poderia dizer que pensavam em qualquer coisa fútil da vida como o aluguel, o mísero salário ou o horário do último ônibus para voltar pra casa. Qualquer coisam, exceto a porradaria que tinham acabado de travar. Estavam tranquilos. Dentro de meia hora era como se nada tivesse acontecido, a não ser pelos cacos de vidro de copos e garrafas espalhados pelos chão, que o dono do bar teimava em recolher.

A mulher? Dizem que ela saiu pela porta da frente do bar, sem dar satisfações, antes mesmo da briga terminar. Ninguém nunca mais a viu por ali. Uns dizem que ela se suicidou. Outros dizem que ela saiu dali direto pra um convento ou um sanatório, alguma coisa assim, pra nunca mais voltar. Há ainda outros, os mais quietos dos bares, que comentam que ela ainda anda por aí, noite após noite, de bar em bar, provocando discórdia entre homens insensatos. Indo sempre embora, sem nunca ficar pra ver o desfecho de nenhum dos entraves que provoca. E em todos eles os homens terminam sempre empatados!

sexta-feira, setembro 08, 2006

Voltou...



Voltei, mas não é pra escrever nada novo. Tem um monte de coisa pra digitar, mas ando meio sem tempo entre cervejas e tantas coisas por aí...
O que voltou também foi o antigo blog que fica no weblogger. Pensei que aquelas coisas já teriam sumido da história... Estava lendo o que tem lá e me deparei com isto que está abaixo. É de uma amiga, a Soraia.

Volto logo!



"A fumaça do incenso parecia subir ao ritmo melancólico de Piazolla ... a luz amarela e o silêncio da noite fria. A solidão quebrada e preenchida com a leitura de um bom livro (Simone de Beauvoir). No final de contas, essa sensação de liberdade é indescritível. Ainda que desejasse, nunca se conformaria com uma existência comum. O que precisava era valorizar cada minuto como há pouco fazia ao tomar a cerveja. A cada gole procurava reter o gosto suave da cevada em sua boca sensível, como seu coração. Saudades, vontades, nomes, lembranças, angústias... Amava a vida intensamente! Por essa razão desejava a morte? A certeza de que não viveria tudo e a todos a afligia. Entregava-se sempre a novas descobertas.
Como se não pudesse repetir ou perder um minuto sequer. A vida era complexa demais e, ao mesmo tempo, tão simples."