segunda-feira, abril 30, 2007


É estranho ouvir tanto barulho lá fora. Ônibus, caminhões, sirenes, buzinas, a confusão sonora dos passos de tantas gentes batendo pés nas ruas, as vozes todas de milhares de pessoas que se abafam no ar, mas chegam até aqui na janela. Um constante que grita durante todo o dia, tão forte que até no silêncio nossos ouvidos o enxergam, durante uma ou duas horas mais.

À noite a paz é outra. Percebo daqui toda a individualidade de cada bêbado que grita nas ruas. Sinto no peito toda a pressa do pouco barulho que os pneus dos poucos carros gritam no asfalto, sinto todo o silêncio que as poucas e sofridas árvores despejam nos ares, quietas e também nos asfaltos.

As lâmpadas amareladas e as fluorescentes, os postes cobreados, o pisca alerta de um carro encostado na calçada de uma rua deserta, o extremo incandescente de um cigarro nas mãos de um solitário andarilho das madrugadas, a própria garoa que cai em caleidoscópio e luta contra o vício desse fumo e de todos os outros, até os vultos mesmo, não percebo senão nessas horas.

Cá dentro, uma televisão, servindo de lanterna, contorna minha silhueta na janela. Um gole quente que mata o frio que mata tantas criancinhas lá embaixo. Os pensamentos de lutas vãs que sempre começaram e se acabaram em lágrimas. Um chão de teto que não me deixa fugir. Paredes onde desenho alguns sonhos com os olhos abertos.

O chão é convite. Observo o teto ali deitado e ele não conversa comigo. Ouço, novamente, o som da noite. Garrafas quebradas e briga no bar. Sede. Cedo.

Sentado no sofá, observo meus sapatos no canto, finalmente parados. Procurei meus olhos no espelho do banheiro e não os encontrei e nem sapatos algum. E nem olhos e nem pernas, como se fosse eu o próprio prédio e meus olhos as janelas, e naquele apartamento estava meu coração, não tinha onde mais estar.

É estranho ouvir tanto barulho pela manhã, todas as manhãs. Descer o elevador com cara de poucas conversas. Um bom dia e um resmungo, talvez. O tique e taque tique e taque tique e taque batendo na testa e fazendo lembrar cada segundo dessa festa sem bebidas que são os dias. Angustiante.

Minhas caixas, potes e cartelas de comprimidos sorriem à hora que a aurora invade a janela e toca meu corpo. Um banho, um café amargo da manhã vitaminiquímico.

Outro banho no fim do tarde, pra acordar e limpar toda a sujeira do martela carimbo do dia. Volto à janela outra vez, outra noite.

E a outra noite vai e os gritos são os mesmos, mas os bêbados são outros, assim como as luas.
Dentre as garrafas vazias e cheias que estacionam na estante da sala, procuro uma de vinho bom que guardava pra uma noite especial. Noite de lua cheia e amarela e, que mentira!, até com estrelas!! E... que ilusão! Não há estrelas e a lua é prata refletindo as luzes da cidade e nem a noite é especial, não espero por isso. O melhor vinho do pedaço largado e maculado em minhas mãos. Aos melhores goles servirão, que os meus não são em vão. Sangra minha garganta em cada trago. A cada trago estanca minha garganta.

Calculo como mente analfabeta as equações da vida. Olho como quem da janela os movimentos da avenida. Lembro como quem lembra com saudades daquela infância tão querida. Esqueço, mesmo que seja bela, qualquer imagem desta vida.

Calo meus pensamentos, não há o que sonhar. Calo meus movimentos, não há pra que lutar. Calo meus sentimentos, não há por que chorar. Falo o meu silêncio, que não há nada o que escutar.

O sono...

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Mafra matador...

Esse texto tah fantástico...

...

Saudades de vc muleke

sexta-feira, maio 04, 2007 1:08:00 PM  

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