terça-feira, abril 04, 2006

Pêssegos ou sardinhas. (O Reino do Inverso)

Pêssegos ou sardinhas. (O Reino do Inverso)

Risadas absurdas mantinham-no num ambiente seco. Gargalhadas espalhafatosas e desesperadas prendiam-no em conserva num pote formado por palavras.
Nem tanto se esforçavam para isso, pois o próprio enclausurado nem ao menos o mínimo dedo movia em oposição àquela opressora força invisível. Muito pelo contrário, pensava que deveria ser capaz de suportar os piores tormentos que aquelas vozes fossem capazes de provocar. Isto para provar a si mesmo que era forte e tolerante e para prometer em vão que seria a última vez que seus ouvidos e pensamentos suportariam quietos tais tipos de inflamações.
Obstinadamente quieto, permanecia com seus sentidos, submisso e inabalável em plena dor.
Risadas absurdas mantinham-no num ambiente seco. Suas próprias gargalhadas ressonavam misturadas às paredes que o prendiam, num acordo inexplicável entre senhor e escravo.
Suas esperanças eram intragáveis. Seus melhores sonhos, amargos. E mesmo assim o regozijo pulava de sua garganta, numa sem tamanho ilusão.
Em sua mente, porém, era o inverso que reinava. Transformava-se ali em parede e em senhor. E ali, sendo o Reino do Inverso, o sofrimento era comum a todos, assim como a alegria, o poder e a podridão. Naquele reino o forte era fraco, e o fraco também o era. Ali, o que batia também apanhava. Aquele que gargalhava gastava tanto sua garganta quanto os olhos em lágrimas. Naquele lugar, em seu Reino do Inverso, era o mesmo falar em paredes ou em detentos. Em servidão e senhoria. Era o mesmo palavras e pensamentos. Era o inverso de tudo. E era tudo ilusão, tanto quanto o real. E, realidades à parte, era tudo ilusão mesmo, mas não deixava de ser sofrimento.