quarta-feira, outubro 18, 2006

Bocada


- É com você que eu falo?
- O que é que você quer?
- O que todo mundo quer!
- Como assim, o que todo mundo quer? Cada um que vem aqui quer uma coisa diferente. Você vai querer o quê?
- Não sei ao certo...
- Como não? Você vem até aqui sem saber o que quer?
- Eu pensei que tinha somente uma coisa.
- Uma coisa pra cada um... e cada um quer uma coisa diferente.
- Sério?
- Sério. E aí, vai querer o quê?
- Ainda não sei.
- Ora bolas, vê se decide logo! Já tem mais gente chegando aí, e eu odeio fila. Chama muito a atenção.
- Pode atender os outros enquanto eu penso.
- Como assim, atender os outros? E você fica parado aqui?
- É. Por quê, não pode?
- Não, não pode! Dá muito na cara.
- O que eu faço então?
- Olha, você pode ir embora e nunca mais aparecer.
- Mas...
- É, eu sei. Tô olhando pra tua cara. Você tá mesmo precisando de alguma coisa.
- O que eu faço então?
- Dá uma volta por aí, depois volta e pede o que quiser.
- Dar uma volta? Não! E se eu desistir?
- Se desistir, vai embora e não me atormenta mais!
- Mas eu preciso!
- Eu sei que você precisa, então decide logo! Olha aí, a fila tá aumentando. Ô pessoal, é o seguinte, dispersa aí e disfarça! Não quero chamar a atenção. Toma uma cerveja ali na lanchonete que eu já volto!
- Então?
- Então, o quê? Eu que pergunto! E então, o que vai querer?
- Não sei ainda...
- Não sabe? Então vai embora!
- Me dá uma dica.
- Uma dica?
- É! Me indica alguma coisa.
- Te indicar alguma coisa? Cê acha que eu sei do que você precisa?
- Devia saber!
- Como assim?
- Pô, não é você que é o cara?
- Péra lá...
- Não, peraí você! Não é você que é o cara? Você devia saber do que eu preciso!
- Péra lá! Sou eu que sou o cara, sim, mas você tá começando a abusar!
- É, tá bom, desculpa. Mas me dá uma ajuda.
- Pô, cara, você abusa! Chega aqui sem saber o que quer e ainda pede indicação no que levar?
- É minha primeira vez, leva em consideração. Indica só desta vez. Você deve saber do que eu preciso.
- Tá certo!
- Sério?
- Sério!
- Então me faz esse favor!
- Só que eu vou te dar várias opções. Você escolhe o que achar melhor. Não quero ser responsável pela sua escolha.
- Várias opções? E isso ajuda?
- Algumas opções. É pegar ou largar...
- Tá bom, tá bom, tá certo! Manda ver!
- Entendeu, né?
- Entendi!
- Tá certo! Presta atenção! Olhando pra sua cara, dá até pra pensar que você precisa de um pouco de esperança, mas disso todo mundo precisa. Talvez você precise de paz, de amor ou outra coisa assim. Definição sexual eu não tenho e nem recomendo! Agora, tem muita gente igual a você que vem aqui procurar felicidade, realizações, saúde ou dinheiro. Pra falar a verdade, o pessoal vem em busca mesmo é de dinheiro, mas isso aí sai caro. Como quase ninguém tem como pagar, eu acabo oferecendo um pouco de esperança mesmo. É um produto customizado, sabe? Quase ninguém reclama. O pessoal leva e acaba se conformando. Agora, se você for daqueles que vem pedir algum tipo de salvação, já vou logo avisando que disso eu não tenho nada! É um produto que todo mundo quer de graça e no final ninguém fica satisfeito. As pessoas carregam umas idéias e idealizações na cabeça que não dá pra entender! E aí, vai querer o quê?
- Nossa, não sei ainda...
- Não sabe ainda?
- Não. Desculpa...
- Olha, então... não, peraí. Eu fui com a tua cara. Vou te arranjar uma coisa, mas é só dessa vez! Leva um pouco disso aqui.
- O que é isso?
- Não importa, vai te servir!
- Tem certeza?
- Claro, se quiser pode mandar aqui mesmo!
- Vou fazer isso, então...

- Tá vendo? Não falei que você ia gostar?
- É bom!
- Eu disse! Mas foi só dessa vez! Esse aí tá difícil de conseguir!
- Não, tudo bem! Muito obrigado!
- Ora, que isso, disponha! Só não vai se esquecer de mim!
- Não, não esqueço! Estou bem melhor agora! Muito obrigado, Jesus! Até logo!
- Vai em paz, e pela sombra!

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Pena não ter conseguido ouvi-lo ontem daquela maneira especial que sabemos, este texto caminha lado a lado com o do Prestor, muito bom, enredo surpreendente e dúbio!

Te Amo meu poeta!

biseaus

Minha

quinta-feira, outubro 19, 2006 8:29:00 AM  
Blogger Alessandro said...

Jesus não tem dentes no país dos banguelas. E faço minhas as palavras da Ale sobre este texto. Diabos, cara, você está cada dia um tanto melhor.

E não é que o cara aceitou me levar até Itaquera por R$ 30,00? Acho que da próxima vez que eu perder a hora, devo conseguir um táxi por R$ 20,00. Já não duvido mais.

Lembra que eu lhe falei ontem que gostaria de voltar ao Rio? Pois bem... o taxista é de lá, íamos conversando sobre futebol e outras coisas (o cara é Fluminense fanático, aliás) e ele me falou de uns hoteizinhos em São Cristovão que cobram R$ 15,00 por noite. Bom, isso é um incentivo, não acha? De repente, final do ano ou início do outro estarei por aquelas partes. Mas vamos ver... eh eh eh!

Mas, voltando à noite da minha fúria... até que sou um cara de sorte mesmo... apenas lamento um pouco que você e a Ale tenham testemunhado o espetáculo inútil.

Outro abraço!

quinta-feira, outubro 19, 2006 2:04:00 PM  
Anonymous Anônimo said...

adoro as imagens que coloca aqui!!!

biseaus

quinta-feira, outubro 19, 2006 4:47:00 PM  
Blogger SACANITAS said...

e eu adoro esses dialogos!!!

bom demais!

beijao!
:***
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segunda-feira, outubro 23, 2006 3:34:00 PM  

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