quinta-feira, março 27, 2008

"Diálogo N.º45872" e "O homem que bebia demais"


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1 – Você acredita em quê, então?
2 – Ora, bolas! Está tudo aí, não há como negar. Tenho que acreditar em tudo, sou obrigado a isso.
1 – Mas no que você acredita realmente?
2 – No que eu acredito realmente?
1 – Isso, no que você põe fé?
2 – Em nada.
1 – Nada?
2 – Nada vale de nada.
1 – Então por que a arte?
2 – Porque nela encontramos a única possibilidade de fazer qualquer coisa, deixando claro de antemão que essa coisa pode não servir de nada, pode não ter sentido algum, mesmo que muitas vezes, na arte, abordemos de forma concisa e impressionante questões cruciais de nossa existência.
1 – E a arte vale alguma coisa mesmo quando não serve de nada?
2 – Nada serve de nada.
1 – E quanto ao cara que bebia demais?


O homem que bebia demais



Vamos lá. Antes de mais nada é preciso considerar algumas variáveis humanas e sociais e etc., envolvidas no assunto. Além de considerar, questioná-las, pois não buscamos aqui a construção de apenas mais outra paradigmática afirmação. Destas nós já estamos cheios.

Questionar, porque é preciso.

Quais são nossos valores e medidas e de onde vêm? Temos certeza de que são realmente nossos? Se tivermos certeza, será válido negarmos ou ignorarmos os valores e medidas de outrem? O senso-comum, o que é? De onde vem? Seria o senso-comum algo que justifica nossa moral ou que se aproxima da Verdade?

Ora, são questões iniciais pertinentes e relevantes em se tratando do assunto abordado. São nossos valores que qualificam tudo o que está ao nosso redor, desde nossas preferências estéticas de quaisquer tipos até aquilo que consumimos. Nossas medidas quantificam tudo o que podemos ter, querer ou fazer, formando uma faixa “segura” que foge da escassez e do excesso. Encontramos aí o senso-comum, que glorifica nossa “faixa de segurança” quando a confronta com as escolhas correntes no meio social em que vivemos. E esse mesmo senso-comum é produto de uma força maior chamada moral, que muitas vezes é confundida com “A Verdade” (“A Verdade”, aqui em maiúscula, refere-se àquele conceito de “única possibilidade possível”, de “única certeza”). Portanto, é relevante que antes de mais nada consideremos e questionemos estes conceitos.

Não é raro – e é algo que não queremos permitir a este argumento – que todos esses conceitos sejam tidos/confundidos como entidades reais, concretas. Não podemos nos esquecer que são apenas abstrações.

Por exemplo, “A Verdade”. É uma idéia que circula por aí com o estigma de “única”, de imutável. Disparate ingênuo e equivocado, pois o que ocorre com “A Verdade” é o mesmo que acontece com o bom-gosto: todos pensam ter bom-gosto, mas todos os gostos são diferentes, às vezes absurdamente discrepantes. E qual será o melhor deles ou o verdadeiro? A resposta é simples: nenhum (e não consideramos necessário explicitar o porquê disso). Da mesma forma, cada um carrega sua própria verdade, mesmo que muitas vezes sejam parecidas. “A Verdade”, em maiúscula, não existe; às vezes queremos enxergá-la como única faceta desse diamante infinito-facetado a que chamamos de vida, mas não podemos, pois temos olhos e ouvidos e demais sentidos e discernimento e acreditar em tal absurdo seria negar tudo isso e assumirmos alguma forma vegetativa de existência. Qualquer pessoa que tenha algum mínimo relacionamento social – seja através de outras pessoas, televisões, jornais, revistas ou até de livros Agatha Christie – tem suficiente capacidade de perceber e entender que escolhemos nós mesmos a nossa própria verdade.

E nossa moral, que vem rebocada por algumas verdades amplamente aceitas e carrega consigo nosso senso-comum, será que é tão válida assim? Que ela existe e vige, não há como discordar, mas poderíamos pensá-la como um manual de auto-proteção, sendo o senso-comum, o bom-senso, suas ferramentas. Quem sabe se nossa moral não é apenas o resultado de milhares de anos de evolução de uma espécie que em algum momento percebeu que certas atitudes são boas para a própria segurança no convívio em sociedade, e outras tantas não? Algum tipo de não-mexer-em-casa-de-maribondo que, com o passar do tempo, tornou-se regra.

Nossa moral e nosso senso-comum parecem mais com uma pré-ferramenta que nos protegem de quebrarmos as regras do bom convívio social.

Primeira questão pontual: qual o custo x benefício da troca de nossa plena liberdade pela segurança do relacionamento social? É o único preço que podemos pagar?

Depois que pensamos no que é “A Verdade”, a moral e o senso-comum, poderemos dizer que realmente possuímos valores e medidas próprios? Ou enxergaremos que são conceitos hereditários, que estão em nossos genes sociais e que não pensamos nisso porque nos incomoda?

Nós, seres humanos, vivemos num universo que impede a plenitude. Os poucos que vivem bem e felizes só o conseguem pagando o preço de certa ignorância; os que vivem mal, porém felizes, também, de uma forma diferente; há os que seguem levando a vida na média geral, sem nenhum saldo positivo ou então frustrados; outros se consideram de mal a pior e apenas choram muito por isso; e até aí tudo bem.

Mas alguns, que ignoram se a moda vigente é estar bem ou mal com a vida; que, se possuem valores e medidas, carregam-nos apenas para a própria vida; esses são considerados loucos, inconseqüentes, estranhos, incapazes para o bom convívio social... “que tomem cuidado, pois exageram”.

Esses preferem apenas sugerir uma segunda questão pontual: uma hora de oxigênio ou quatro minutos de vida?

Portanto, se pensamos direito a respeito, permitamos que o cara beba em paz!

segunda-feira, março 17, 2008

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O desprezo por certas e quantas atitudes dos seres humanos é algo que, neste momento, ao meu ver, não pode ser deixado de lado. O desprezo não pelo ser humano em si, que é lindo, mas pela força de vontade e determinação que ele tem em fugir de sua condição, das características que ele se orgulha em ostentar, mas que não pratica.

A individualidade, a consciência de si, da existência, definha-se a cada dia. Não existe mais o "eu", em troca de outro "eu" produzido, fabricado. O indivíduo, próprio e consciente, não existe mais; se é que algum dia existiu (e aqui surge um pensamento que pode liquidar todo este argumento... a se pensar).

O indivíduo, nestes tempos, existe apenas para reclamar justiça e, muitas vezes, apenas para reclamar somente, seja lá do que for.

Me pergunto: direito? Justiça? Num olhar frio, seco, penso que não passam de meras piadas. Direito a quê? Qual justiça? Ora, bolas! O direito que o gado tem ao pasto? A justiça que produz apenas vítimas?

Nos esquecemos da ordem natural deste mundo. Nos iludimos em regras e promessas que não fazem parte da nossa natureza.

É desprezível o negar-se a si sem saber; aceitar palavras de ordem sem perceber, sem nem sequer ouví-las.

Todos têm seu lugar neste mundo, e isso é confortável demais. Têm seu lugar no mercado de trabalho, ou pensam e acreditam que deveriam ter; têm direito à sua saúde, a não se contaminar; a dizer seus palavrões nos momentos em que dita a raiva, porque estão cansados. E quem dita o cansaço? Têm direito a seus direitos, conquistados com árdua luta, mas que, na verdade, são apenas rédeas. Quem é que enxerga? São rédeas conquistadas com o cumprimento das obrigações aceitas!

E, ainda assim, reclamam. Reclamam de tudo, ridículos humanos, quando deveriam ficar quietos. Como dizem por aí, quem está no fogo tem que arder. Mas não! Gostam de brincar, mas não sabem perder, de jeito nenhum. Isso porque aprenderam assim; que existem os de cima e os de baixo, e os que estão lá são melhores que os daqui. Aprenderam e aprendem assim e nunca se questionam.

São desprezíveis porque o mundo que vivem é (se é assim que gostam de chamá-lo) injusto, e se esquecem disso. E são desprezíveis porque apesar de tudo o aceitam, a este mundo injusto, e ainda reclamam. Reclamam porque acreditam na piada de que devem reclamar, mas nunca pensaram direito sobre isso. Ridículos e desprezíveis porque aceitam e ainda assim reclamam das conseqüências da própria decisão, como o fazem os suicídas.

De qualquer forma, apesar de tudo isso, não há como negar (e talvez esteja aí o maior erro de todos), continuam sendo lindos, humanos.