segunda-feira, abril 10, 2006

Segundas-feiras

As manhãs das segundas-feiras são sempre marcantes pela quantidade de gente atrasada que enche nossos meios de transporte coletivo. É crível que a maioria das pessoas que ficam ali, amontoadas, acorde sempre atrasada para trabalhar, em tais e tão peculiares manhãs. Talvez essa gente deite-se tarde nas noites de domingo, provavelmente entrertida em programas de TV. Esse entretenimento televisivo é uma coisa fantástica!, principalmente aos domingos. Aos olhos de quem se entrega a isso, é tudo muito interessante, necessário. Afinal de contas, é o domingo do descanso de cada um. E nada melhor pra descansar do que ficar parado, não é mesmo? E já que se está parado, por que não um pouco de "diversão" ou "informação"? Ora bolas! Esse entretenimento é que cega! É ele que faz as pessoas ficarem acordadas até mais tarde nesse dia! Acordadas e enganadas, pois, em frente à TV, em busca de qualquer coisa, elas não percebem a melancólica decepção, inerente a todo domingo, em saber que na manhã seguinte volta a luta de cada um pela vida. E enquanto esse engano-ilusão é maior que o sono, elas ficam acordadas, gastando o máximo de energia possível para, talvez, com sorte, nem ao menos sonhar com as decepções da vida. E, quer saber, qual a consequência mais estúpida disso? É a quantidade absurda de gente que acorda atrasada nas manhãs das segundas-feiras, superlotando ainda mais nossos meios de transportes coletivos!
Eu estou aqui também, nesta manhã de segunda-feira, mas eu não acordei atrasado. Eu nem dormi. Aliás, eu venho direto da sexta-feira sem prestar atenção ao sono. Não foi apenas um fim de semana. Seriam, sim, dias e noites dignas de um dos mais belos fins de vida. Porém, permaneço vivo ainda, pois a última madrugada foi bondosa comigo. Acelerei por ela inteira, num veículo roubado e sem querer saber pra onde ou por onde ia. Sem querer saber quais regras eu ignorava ou quais eu burlava de propósito. Com os olhos vermelhos, ardendo em infernos, acelerei até o amanhecer, esgotando o combustível que tinha. Agora estou aqui, indo novamente ao encontro da luta de cada dia pela vida. Meus olhos são vermelhos ainda, queimando susto em toda essa gente que acordou atrasada. Eu os aturo. Eles que me suportem!

terça-feira, abril 04, 2006

Pêssegos ou sardinhas. (O Reino do Inverso)

Pêssegos ou sardinhas. (O Reino do Inverso)

Risadas absurdas mantinham-no num ambiente seco. Gargalhadas espalhafatosas e desesperadas prendiam-no em conserva num pote formado por palavras.
Nem tanto se esforçavam para isso, pois o próprio enclausurado nem ao menos o mínimo dedo movia em oposição àquela opressora força invisível. Muito pelo contrário, pensava que deveria ser capaz de suportar os piores tormentos que aquelas vozes fossem capazes de provocar. Isto para provar a si mesmo que era forte e tolerante e para prometer em vão que seria a última vez que seus ouvidos e pensamentos suportariam quietos tais tipos de inflamações.
Obstinadamente quieto, permanecia com seus sentidos, submisso e inabalável em plena dor.
Risadas absurdas mantinham-no num ambiente seco. Suas próprias gargalhadas ressonavam misturadas às paredes que o prendiam, num acordo inexplicável entre senhor e escravo.
Suas esperanças eram intragáveis. Seus melhores sonhos, amargos. E mesmo assim o regozijo pulava de sua garganta, numa sem tamanho ilusão.
Em sua mente, porém, era o inverso que reinava. Transformava-se ali em parede e em senhor. E ali, sendo o Reino do Inverso, o sofrimento era comum a todos, assim como a alegria, o poder e a podridão. Naquele reino o forte era fraco, e o fraco também o era. Ali, o que batia também apanhava. Aquele que gargalhava gastava tanto sua garganta quanto os olhos em lágrimas. Naquele lugar, em seu Reino do Inverso, era o mesmo falar em paredes ou em detentos. Em servidão e senhoria. Era o mesmo palavras e pensamentos. Era o inverso de tudo. E era tudo ilusão, tanto quanto o real. E, realidades à parte, era tudo ilusão mesmo, mas não deixava de ser sofrimento.