quarta-feira, fevereiro 16, 2011

pequeno



Percebi desde o início, desde pequeno, as porções menores dos padrões da vida. Não cobiçava o doce antes da promessa, contentava-me com os papéis de bala que restaram da última festa, jogados pelo chão da rua ou atrás de algum sofá. Quando desobedecia, não era por ser criança, e quando obedecia, não era por não o ser. É que as palavras todas, desde quando me lembro delas, sempre tiveram significado real e efetivo em meus ouvidos e em minha mente. Não só as palavras. Quando falavam de dinheiro, por exemplo – e as pessoas, em geral, só falam de dinheiro quando ele é dívida ou quando é milhares ou milhões – eu não conseguia pensar em mais que o som de algumas moedas, chocando-se umas noutras, num pequeno saco de pano: a imagem que guardarei sobre o dinheiro até não sei quando mais. Quando questionavam a distância de tal cidade ou tal país, olhava para meus pés e pernas e tentava imaginar a distância exata do primeiro metro. Foi sempre assim, atalhado no que era menor, no que era essência e no que é vital em qualquer ocasião. Mas eram pequeníssimas partes que não serviam para construir nenhum todo, nada grande. Cercava sempre o ínfimo, o diminuto, e pulava de um pra outro e pra outro, de minuto em minuto, sem deixar nada construído atrás do caminho sinuoso que caminhava.

Nada grande. Nunca acreditei em nada grande, além de algumas mentiras. Atentei-me ao pequeno:

Uma lâmina da luz solar divide a sala por causa da cortina quase que fechada, e eu acho lindo. E a poeira, poeirando por ali, no ar, atravessando a linha de luz que divisava aquela sala, ou aquele mundo, me ensinou que a vida pode proporcionar coisas belas pelas quais vale a pena sofrer, ou viver, como é comum de se dizer.

Formigas, no chão do parque ou na pia de sua cozinha, sempre nos ensinaram como conseguir o que queremos, ou como “atingirmos nossas metas”, como é comum de se dizer. E a lição nunca foi a de trabalharmos e trabalharmos e trabalharmos demais. A ideia é trabalharmos o suficiente, dividindo esforços e dividindo as recompensas.

Os sorrisos são tão pequenos no mundo cinza em que vivo, que acabei me apaixonando por eles também. E é sobre sorrisos que digo, não sobre os risos e gargalhadas desesperados que preenchem todo a grande falta de alegria ou sobra de insatisfação que, não há como negar, estão por toda a parte.

...

Pequeno que era, imaginava que não pudesse legar nada além de meu reflexo, ínfimo. Mas agora, há um minuto, olhei pra trás e percebi que aquele caminho sinuoso tornou-se estrada. Todas as pequenas coisas que colecionava tornaram-se uma só coisa enorme. Uma gigantesca rodovia que, com todas as suas curvas, confunde-se ao horizonte. Que vem de lá de longe a um destino único, que sou eu. O pequeno fez-se grande.

Mas, ainda assim, é muito pouco. Conheci aquele ditado que diz, que é assim: que de grão em grão... na verdade, meu papo parece furado.

E isso quer dizer que todas as pequenas coisas que me maravilham não me bastam. Apenas maravilharam-me e continuarão a fazê-lo, um sorriso, uma formiga, um mínimo de luz. Vou deixando-as pelo caminho. É muito pouco. Parece papo furado, mas não é. Na verdade, mesmo, é grande!