segunda-feira, dezembro 28, 2009

Lembrança imagem


A primeira lembrança que tenho, quando me esforço pra isso, tem um cheiro, um certo odor de ambiente fechado, quase mofo. Porém, diferente de mofo, esse ambiente também traz ares de bons cuidados. Nem as salas e nem as cortinas eram assim já tão velhas, mas creio que as infâncias impõem essa atmosfera de passado em cada lembrança que capturam.

A janela fechada, o absoluto silêncio, a luz cinza e úmida de um dia útil desperdiçado nas contemplações de uma pequena criança.

Quando o silêncio era tanto e era possível respirar tais momentos, minha admiração era tamanha que a descrição ou tradução mais exata desse estado de espírito seria algo como um inexplicável e seco nó na garganta.

Paralisado, olhava para as paredes, para o teto, para as pequeníssimas partículas de poeira que desapareciam e tornavam a aparecer, suspensas no ar quase quieto que pouco ventava frente ao meu rosto; e observava os desenhos das árvores, pintadas em verde-musgo sobre a base de pano grosso e pardo que formava as cortinas da sala.

Contemplava todo esse mundo de pequenas sensações e tentava compreender a grandiosidade daquilo tudo; onde estaria toda a importância que se escondia ali, que me abraçava por completo sem tocar, sem se mostrar? Eu sabia que estava ali, que era fácil, mas ainda não tinha capacidade suficiente para entender. Hoje, muito e muito tempo depois, sei que estava lá, que é fácil, mas ainda não a encontro. Só sei.

Essa, a minha primeira lembrança, sempre me faz pensar no quão pouco posso saber. Penso nisso, e lembro do quão pouco ainda sei.

Do primeiro mistério da minha vida, ainda não sei a solução. Dali pra diante, foram todos outros mistérios tão complexos ou mais. E penso que talvez esteja naquela primeira lembrança a chave daquele próprio mistério e a de todos os outros, a peça que faltava no quebra-cabeça, ou a que nunca existiu.