sexta-feira, julho 20, 2007

retrato de um mundo estranho


Na falta de uma câmera fotográfica e de algo melhor pra fazer:

Estou sentado na última mesa, no fundo do bar. Ao meu lado direito as escadas que levam ao subsolo: cozinha, banheiros e mais outras mesas que a estas horas ainda não estão ocupadas. Ocupar-se-ão mais tarde, provavelmente com o movimento de esponjas adolescentes e barulhentas. Do meu lado esquerdo, uma mesa vazia e parede. As outras mesas todas acompanham o toque dessa parede. O corredor, por onde os garçons correm a noite inteira, fica entre as mesas e o balcão com bancos altos e fixos. Um apoio para os pés a um palmo do chão. Os três primeiros bancos, daqui pra lá, estão vazios, no quarto, um senhor, quarenta e poucos, sozinho, bebe sua cerveja e ri com as imagens da televisão muda que está acima da minha cabeça. Lembro ter vivido situações desse tipo, talvez até no mesmo banco. Do lado de lá do balcão, o Chapa assa carne assada e frita batatas-fritas sem reclamar. Coxinha e pizza quase verde também estão no seu arsenal. Nos quinto e sexto bancos um casal faz sua refeição sem atropelos, quase invisíveis ao lugar. Nos outros dois bancos que posso ver daqui, sentam duas garotas bonitas e altas, com uma garrafa de cerveja para acompanhar. Uma delas sai ao banheiro e a outra fica a sonhar com quais tipos de surpresa esta noite pode trazer. Os garçons são como sentinelas, andando de cá pra lá e atentos a assovios e arruaceiros. Por parte das mesas, a primeira à minha frente carrega três garotas e uma garrafa de cerveja. O ar carrega a fumaça dos cigarros delas cá pro meu lado. Hoje é sexta-feira e o meu isqueiro quase não acende o cigarro. Vez em quando uma delas lança um olhar de soslaio na minha direção. Na mesa seguinte, amparada pelo ar fresco de uma porta corrediça de vidro aberta que ocupa o lugar da parede, chega mais gente. Agora são quatro garotas e um garoto. Garrafas de cerveja, como em todas as outras, fato que pouparei das descrições daqui adiante. As garotas se beijam na boca. Independentemente do porquê o fazem, o fato é que nesses dias está em vigor a busca por certo status através desse tipo de atitude. Outras palavras: está em moda. Demonstrações cada vez mais banais, não chocam tanto quanto noutros dias. Apenas os mais moralistas teriam algum sobressalto ao perceber, mas estes ficam em casa, não correm perigo. Noutra mesa atrás, por mais que eu estique o pescoço, não vejo além de mais outra garota, de costas, de verde, com o cigarro fumando a mão esquerda. Percebo agora um rapaz também, também de verde, que acabara de buscar um maço de cigarros no balcão. Os garçons continuam e agora servem um casal que se sentou à mesa que estava vazia ao meu lado. Na derradeira mesa, logo na entrada do bar, dois rapazes e três garotas. Apenas conversam pelo visto aqui de longe. No outro segmento do lugar, que não enxergo, aposto que estão algumas pessoas em pé, comendo algum salgado da estufa ou tomando alguma pinga. Aposto que no meio disso tudo, o garçom do caixa está cobrando por todo e qualquer consumo que aconteça por aqui. Do lado de fora passa gente na calçada, sempre indo pra algum lugar. Os automóveis, na rua, a mesma coisa. Não há desculpas ou argumentos que os faça parar. Aposto que a lua também passa, indo pra algum lugar e a mesma coisa toda de parar. O barulho não cessa, é sexta-feira, já disse. Pessoas entram a todo o momento, desistem e voltam. Perderam os dois últimos lugares vazios que estavam aqui ao lado. Não há desculpa que os faça parar. Descem preocupados que já está ficando tarde e têm medo de não encontrar nenhum lugar pra sentar em lugar nenhum. Revisando: o senhor de quarenta e tantos continua sorrindo para a televisão muda, o casal continua invisível, as garotas da primeira mesa continuam fumando e os olhares continuam, e os outros todos a mesma coisa toda. Em outro lugar, aposto que pessoas perguntam sobre mim, num compromisso que fugi. Procuro qualquer desculpa pra continuar... estou já na segunda cerveja, terei de me retratar mais tarde, é quase domingo. Depois que o governo racionou todo o tipo de consumo, esse tipo de obrigação me enche a cabeça. Bela idéia essa guerra sem sangue que inventaram. Cada país apenas negando o fornecimento de seus principais produtos aos inimigos. Uns morrem de fome, outros morrem por falta de petróleo. Nós aqui já cansamos de encher a barriga de pão, carne e cerveja. Eu bebo um pouco acima da média, toda quinzena tenho de me retratar por isso. Pago a multa em carne e pão. Eu como um pouco abaixo da média. Por sorte não tive filhos antes da esterilização sorteada. Seriam um fardo pesado demais nestes dias. O barulho continua crescendo. Dizem que é reflexo da depressão. Dizem, os cientistas, que perdemos os laços com qualquer tipo de revolta ou indignação, por isso fazemos tanto barulho. Defesa natural que impossibilita qualquer mínimo indício de pensamentos. Um pouco acima da média, eu tolero o barulho. Mas não sei se é pensamento essa coisa toda. Lembro de ter lido alguns livros, mas estavam sempre em catálogos e era bom que eu lesse, diziam. Não sei se essa coisa toda é confiável. O casal saiu da mesa ao lado.

quinta-feira, julho 19, 2007

média piada


É engraçado.


Os transeuntes e o trânsito na mesma briga de sempre entre paredes e chão concretados e árvores asfixiadas. Seu desejo insaciável de adquirir um automóvel cada vez mais zero quilômetro pra encher de amigos e xoxotas. Muitas mulheres por aí engordam e entopem as artérias de gordura e entopem o rosto de maquiagem e se entopem de hipocrisias demais e dizem que nem ligam, pois já estão casadas. Os homens, apesar de casados, nunca desistem do carro mais novo, pois ainda não comeram a secretária, a vizinha, nem a amiguinha da filha e nem os colegas invejosos do escritório. Os filhos, inspirados em filmes e novelas de maior sucesso, seguem bebendo, fumando e cheirando o dinheiro, os bagos e os ovários dos pais, sempre se achando muito espertos, mas sem nunca aprender a dar uma boa foda, porque o cordão umbilical atrapalha. Apesar de tudo, essa classe média vive bem e feliz, pois já encontraram especialistas que isolam perfeitamente as paredes, o teto e o piso do apartamento. Juntam isolamento acústico com elevadores privativos e vidros com insul-film 100% e está ótimo, nenhum vizinho perceberá nada. E, se acaso perceber, eles também têm seus podres. Guerra fria no condomínio!


É engraçado.

Os sobrenomes, os escudos, as famílias. Sempre que vão ao show da rita lee se vangloriam intimamente por serem a única ovelha negra. Não importa se apenas deram sorte ou se fizeram por onde, estão sempre à parte por serem os únicos que fizeram e fazem, que pensaram e pensam alguma coisa diferente. Nenhum deles está incluso no grupo que todos eles formam. Falam as mesmas palavras elaboradas e exclusivas (no sentido exclusivo da palavra) não por falta de opções, mas porque dizem sempre as mesmas lorotas: moral, ética, religião, não-religião, política, emprego, salário, quanto?, carro, casa, casa de campo, apartamento no litoral, previdência privada, criei meus filhos, um advogado, uma veterinária, outro arquiteto, aposentadoria, suéter, cachorrinhos de estimação, tempo, netos, velhice com a cabeça grisalha pra fazer comercial de plano de saúde. Mas são apenas estereótipos, coitados, não é justo! Mas o que são estereótipos? Talvez não seja a percepção desta caneta que esteja a pecar. É a média que peca, mas tanto faz! Recebem sempre o perdão de um padre bem pago, moribundos na cama rodeada pela família, solidária, que já carrega nos bolsos os advogados, já maquinando como lutar pela maior fatia da herança dos bagos do velho tão logo ele deixe de teimosia e solte o último suspiro.

E não deixa de ser engraçado.

terça-feira, julho 17, 2007

idiótes


Tentei lembrar alguma lição que eu já tivesse aprendido, alguma experiência que eu já tivesse vivido, minhas pernas tremiam sentadas na poltrona e nem ao menos algum exemplo no qual eu pudesse me apoiar. Tontura, enjôo, meu corpo fervia por dentro e minha pele suava frio. Sem palavras ou nós na garganta, close na boca e nos olhos, agradável inquietude: um simples “eu te amo”.

Senti falta das exigências da gravidade, que tanto ajudavam a ficar em pé. O mundo girava, labinritite crônica que provocavam aquelas palavras em meus ouvidos. Nunca tinha imaginado, sequer sonhado, que isso pudesse acontecer e que era assim que acontecia. Impossível suportar. Disse que não assim que pude, do jeito que pude, sem palavras.

Saí do cinema ainda no meio da sessão e a noite continuava cinza e garoando fino e frio. Um cigarro por costume e observando os casais e os não casais, felizes e tristes pelos lugares, e perguntava ao vento como podiam ser tão idiotas a ponto de acreditarem nessas idiotices.

Procurava não me molhar muito na garoa e nem ao cigarro. Buscava esquecer as escolhas erradas e passadas; tantos filmes que não valiam a pena assistir. Cinza na noite, meu coração adormeceu e teve sonhos que eram só sonhos, num sono breve.

Procurava não lembrar a garoa, a noite, nem os sonhos, que não valia à pena insistir.

quarta-feira, julho 11, 2007

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, que nada


Luz Vermelha: