Quebra-cabeça

Eu, bêbado.
Ela deita sobre o meu peito conversamos e dormimos.
No meio da madrugada ela levanta, tem de ir embora.
É provável que eu esteja ainda na mesma posição, nessa hora.
Deitado na cama, do mesmo jeito.
Ela olha, coitado de mim.
Sem mexer comigo, toma um banho, troca suas roupas, conta o dinheiro para o transporte, olha as horas e, quando pode, fica olhando mais um pouco o meu corpo imóvel na cama, na tranquilidade de sonhos que talvez depois eu lembre ou invente.
Quando a hora já está atrasada ela vem - posso sentir o calor dela antes mesmo de me tocar - e me beija um bom dia e me dá um sorriso e pede pra eu levantar e trancar a porta.
Pede duas vezes ou três.
Eu nunca quero levantar, mas acabo cedendo.
Ela sai rápido, mais um beijo e tudo o que sobra é o corredor e a luz do sol lá fora na minha vista embaçada.
Eu volto correndo pra cama e sinto frio.
Há quanto tempo estou assim sozinho?
Não penso muito nisso. Olho em volta, o quarto, as cortinas, minhas coisas todas jogadas pelo chão enquanto, paciente, a mesinha de canto quase vazia me oferece o cinzeiro e o maço de cigarros.
Deitado, quase acordado, observo a fumaça do cigarro subindo tranquilamente ao teto.
A calmaria é convite a fechar os olhos e pensar.
Pensar bastante até sonhar.
Coisas que depois talvez eu lembre ou invente.
Histórias sem sentido, tão parecidas com a vida.
Fatos desconexos, idéias brilhantes que se perderão.
Lugares estranhos, diálogos perfeitos.
Uma coleta de sensações.
Um quebra-cabeça de tudo o que se pode imaginar.
Mas tenho que tomar muito cuidado pra não incendiar o colchão com o meu cigarro.
É um apartamento tão agradável...