quarta-feira, março 29, 2006

Bagunça de Coração

Bagunça, bagunça...
Acontecem. As coisas acontecem...
As bagunças acontecem.
Gostei deste texto. Os créditos vão abaixo.
Bagunça de coração...

Bagunça de Coração

Acostumei com sua cabeça junto a minha no travesseiro.
Acostumei acordar antes e te encher de beijos.

Acostumei em sair e ficar com vontade de ficar...

Seu cheiro... Seu gosto...

Seu sorriso lindo
misturado à imagem dos cabelos cacheados
numa bagunça de lençóis, roupas, toalhas...

...minha bagunça...

Bagunça do meu coração que em festa borbulha!

Ganhei o dia.
Ganhei, no meio da bagunça do acordar, um sorriso.


Alessandra Queiroz

quinta-feira, março 23, 2006

Velhos textos.

Como eu tinha dito no penúltimo post, publiquei os dois textos que formariam um trio junto com "Madagascar": "As duas mulheres" e "Resistência". Leiam aqui.
Abraços e até logo!

Jazz I e Jazz

Jazz I

Era uma fila grande, colossal. Uma espera inimaginável, longa. Pequenos homens e seus capacetes, em seus uniformes azuis sujos de terra, serragem ou graxa, todos operários, aguardando cada um a sua vez.
Dentro, gordo, abastado, um homem, com seus três telefones nas mãos e nos ouvidos, apressado, gritando, bufando, correndo de um lado para o outro, o Patrão.
Corria e muito. Corria distantes destinos e em próprios propósitos. Ia de uma instalação interna que cuspia produtos pela porta de expedição, ao sul, até outro de seus canteiros de obra, ao norte, onde acontecia a edificação de mais um sonho destes que querem tocar o céu. Ia de cavernas e minas que escavavam o buraco fundo do ouro, ao oeste, até os portos do leste, de onde não se pode falar muito, poucos sabem o que acontece por ali.
Corria e muito, para todos os lados sem parar. Corria sempre bufando, atrasado, gritando com seus três telefones nas orelhas.
Certo dia, numa dessas obras tuteladas pelo Patrão, dois operários discutiram por uma bobagem técnica qualquer. Travaram palavras e palavrões. Seus nervos ferveram e os dois resolveram se acalmar. O que bebia demais foi quem sugeriu. O outro, o que sofria do coração, foi quem não se agüentou. O peito doeu, ele quase caiu. Levantou, tropeçou e então sim foi ao chão. Ninguém sabe exatamente se foi antes ou depois dos vinte e três andares caídos que ele morreu.
Quase acertou outro operário lá embaixo que, sem susto, acionou o responsável pela seção que, sem dúvidas, correu para avisar o Patrão. Este chegou ao local do acidente tão logo o responsável pela seção pendurou o telefone no gancho.
O Patrão gritou a qualquer um: “ANDA!!! CHAMA LOGO A EQUIPE DE REMOÇÃO!!! VAMOS!! VAMOS!!!”
Gritou a outro qualquer: “E VOCÊ??? TÁ ESPERANDO O QUÊ PRA CONTRATAR OUTRO NO LUGAR DESTE??? CORRE!! CORRE!!!
Aquela fila lá do começo andou um passo.


*************

Jazz

E enquanto carregavam o corpo, com o corpo ainda morrendo, ainda vendo e percebendo todos os prédios e todos os carros e todos os palácios e vielas e todas as estrelas e os esgotos e tudo o que passou e o que deveria ter passado e todas as expressões de horror e as outras expressões que não existiam e todas as pás de terra que caíam sobre o próprio corpo, a trilha sonora que tocava era um Jazz, um Jazz suave. Contando em voz feminina, cantando uma história quase sem graça, mas também sublime.
O que tocava era um som sublime e relaxante que contrastava num sorriso de notas musicais com a morbidez dos dias que rolam sempre e à toa.
Era a música da vida, ainda.

quinta-feira, março 16, 2006

Madagascar

Este, junto com outros dois textos ("As Duas Mulhers" e "Resistência") formariam um trio falando sobre histórias de mulhers em vagões do metrô. Porém, creio que não vou usá-lo para isso. Outro mais adequado há de vir. Os outros dois logo serão publicados no "Antigos Textos", linkado aí do lado! Até logo!


Madagascar

Foi Madagascar quem me pediu. Era apenas uma garota, nada de território. Nome diferente pra uma garota, é certo, mas foi ela quem me pediu.
Madagascar era forte. Tinha nos olhos e na face aquela desafiadora disposição corrente nessa gente de pouco tato para os outros e, noutro extremo, desejos em demasia pra si.
Pediu que eu terminasse esse trio de histórias sobre mulheres com o título em seu nome. Sim, pediu, foi ela quem o fez. E sim, o fiz, não havia por que não. Tinha tanto ainda, meia hora, enquanto ela ia ali e voltava.
De acordo com a tentadora encomenda, tudo se passaria ali, num vagão do metrô.
Era história dela, bem singela, voltando assim da balada, como disse, bem chapada, sem nexo ou conexão ao mundo.
Vinha vendo, olhando, desejando, incessante, sem saber o quê direito, em atitudes fascinantes, intimando outros olhos a cada instante.
E fitava, fitava, e imaginava. Era cada situação intrigante, no mínimo interessante. E vinha com seus olhares tempestivos e constrangedores, dirigindo-se àqueles que ali estavam apenas como figurantes.
É, vinha sim! Vinha como vinha, como me pedira. E desejava, desejava, desejava...
Quantos não apreciaram a situação? Muitos, muitos deles, sim! Mas a ela, eram elas que interessavam. Mas delas nunca se pode afirmar nada. Quem é que sabe? De qualquer forma digo: daquelas, poucas não odiaram o caso. Pra ser mais exato, de acordo com a encomenda, apenas uma não reclamou. Pelo contrário, além disso, até admirou os olhares.
Porém, esta última, a admiradora, estava apenas ali no vagão como passageira. Não queria nada de mais numa simples terça-feira. Apenas admirou.
Madagascar ficou na vontade. Terminou a noite chorando. Pensou, chorou, pensou, na injustiça, que agonia(!), do universo. Por que, ora bolas, diabos, nada era como ela queria? Chorando, chorando, assentiu pra si mesma que não precisava realmente de tudo aquilo que desejava, além de um pouco de atenção. Pensou que não, não era necessário aparecer assim, daquele jeito, tão forte, correndo atrás de tudo pra conseguir o que queria. Ou o que, na verdade, nem queria. Chorando, chorando, até parar de chorar, tentou engolir o nó na garganta, mas já era tarde, muito tarde. Tornara-se uma fraca que mal segurava seus copos de lágrima nem pelo menos por dois segundos. Tornara-se um corpo fraco, pequeno, correndo com medo porta afora do vagão e descendo as escadarias da estação. Mal imaginava que direção tomar e sentou ali mesmo, na primeira sarjeta que viu, junto com garrafas cheias pela metade de cerveja quente e suja. Chorou, chorou e chorou mais ainda, Madagascar, e ficamos por aqui na história.
E este último parágrafo, acima, não foi ela quem pediu, não faz parte da encomenda. Apenas tomei a liberdade de abrir-lhe os olhos.

segunda-feira, março 13, 2006

Alquimistas

Alquimista: s. 2 gén., o que se dedicava à alquimia;
fig., fingidor; falsificador; mágico.


Os alquimistas vêm chegando.
Os alquimistas vão partindo.

À química da vida,
oremos.
A química da morte,
suspiremos.

E a morte rola solta,
obviamente,
por entre buracos e apartamentos,
matando horas e dias
em todos os momentos.

Grita o nascer da vida.
Grita o desespero da morte.
E grita, por favor, durante todo o tempo entre esses dois pontos.

Os alquimistas estão gritando.
Os alquimistas estão gritando:

"Tomem cuidado com a química!
Cuidado com a química da vida!"



Alquimia: do Ár. al + kimia < kama, ciência oculta
s. f., ciência que, na Idade Média, tinha como objectivo encontrar a pedra filosofal, matéria que teria o poder de transformar todos os metais em ouro ou prata, a panaceia universal (remédio para curar todas as doenças) e o elixir de longa vida que garantiria a longevidade prolongada do Homem.

quinta-feira, março 09, 2006

Tem Sarau vindo aí!

Será no último sábado deste mês, confiram abaixo. Participem!


terça-feira, março 07, 2006

O Velho

Logo de cara via-se o rosto triste do velho sentado sozinho à mesa, lendo suas anotações manuscritas sabe-se lá quando. A testa franzindo, as sobrancelhas forçando, preocupação evidente. A garganta pigarreava minuto a minuto, o menos aparente sinal do desgaste de seu corpo. Os olhos num olhar vago, vazios, perdidos sabe-se lá em quantas lembranças e esforçando-se com dor para ler os registros no caderninho velho e triste. As mãos enrugadas traziam o cigarro à boca, sem denunciar qualquer outra utilidade. As pernas paradas abaixo, numa posição tão incômoda que pareciam nada sentir. Seus cabelos eram brancos e pareciam pesados, carregando pescoço e cabeça de encontro ao chão. A figura transportava cansaço e dor aos que olhavam.
Tentei falar-lhe um "Olá, como vai?". E o brilho e o vigor surgidos em seu olhar e o largo sorriso de dentes fortes em seu rosto foram os mais belos que pude presenciar em toda a minha vida.

A multidão

Tem a multidão correndo para todos os lados, suas almas devastadas por guerras e mais guerras diárias. São galpões vazios, gigantes, tomados todos por um Rock velho e pesado que seus ouvidos não percebem.
Tem a multidão que tropeça em quse todos os pedregulhos, mesmo que uniformes, espalhados pelo caminho. São olhos vazios e cegos, que preferem seguir caminhos ditos e ditados.
Tem a multidão, aglomerada sempre num só canto, que é pra continuar gritando seus lamentos claustrofóbicos. São corpos insensíveis, mas o vazio arde-lhes a superfície da pele.
São peles absurdamente enrugadas, mas quem percebe? A multidão está sempre contra o relógio, sem sentir o tempo passar.
Tem a multidão, de quando em quando curiosa, procurando em círculos as novidades de cada vida. São como peixes na memória. São como bois nas engrenagens do engenho.
Tem a multidão em preces todas as manhãs e noites, suplicando sempre mais, muito mais. São ingênuos e fiéis. Tanto que pecam todas as tardes e madrugadas, que é pra poder orar mais, muito mais.
A multidão está sempre por aí, no início, no durante e no fim do expediente. Está sempre nos balcões dos botecos, nos churrascos, nos jogos de futebol e nas filas de atendimento dos consultórios médicos. Está ao lado para ajudar e puxar o tapete. A multidão não quer deixar de ser o que é, e está nas mesas de cozinha e nas salas de jantar em frente à TV. Às seis da tarde e às oito da manhã, quando o expediente permite, ela está em suas preces, como já foi dito, quando não sob as luzes do aparelho de TV na sala de jantar, pouco antes das refeições.
A multidão está sempre por aí, como também já foi dito, e é raro não encontrá-la ou não encontrar-se nela.
Mas, tem tanta coisa também... por que se preocupar com a multidão?

segunda-feira, março 06, 2006

Perde Vida

Joana dorme em seu quarto, após cinco minutos de estudos. Os livros nada disseram que já não desconfiasse.
Pedro Paulo mata horas acertando ou errando seus dardos no alvo que montou na parede da sala de jantar. Enquanto isso, lá fora, o sol é radiante como sempre.
Tamires e Mariana se divertem desenhando corações nas bordas de todas as folhas de seus cadernos, enquanto a mãe de uma delas grita em desespero que ainda não preparou o lanche da escola e está atrasada.
Henrique José Vicente desenha com clipes e grampos o símbolo de seu time de futebol sobre a mesa, atrasando com isso o trabalho de todo o seu departamento.
Teresa e Cosmo, crianças por pouco tempo ainda, divertem-se manipulando as formigas do formigueiro que fica abaixo do pé de acerola lá de trás, bem no fundo do terreno de dona Malú.
Teresa e Cosmo, quinze anos depois, aborrecem-se brigando ao lado do formigueiro que ele destrói com o pé, lá no fundo daquele terreno.
Oito anos mais tarde, Cosmo agradece por ter certo dia destruído aquele formigueiro e Tereza nem se importa com as poucas formigas que sobraram. Os dois deitados no chão ao pé de acerola, preocupando-se cada qual com sua esposa ou seu marido, como couber, que esperavam lá na frente, bem na porta da casa de dona Malú.
Manoel, fazendo seu papel de mané, perde nem sabe quanto na barraca de jogatina móvel dos irmãos Sales, que gastavam tudo em bebidas.
Teresa, logo depois de casar-se, gasta considerável quantia das economias de seu marido Alberto, para que uma numeróloga troque seu "s" (ésse) de Cosmo por um "z" (zê) de Tereza feliz.
Humberto Plínio Sá Siqueira de Carvalho e Tantos Outros Nomes Mais investe pequena quantia de sua fortuna noutra empresa que lhe trará mais outra fonte de lucro absurdo e desnecessário aos seus oitenta e seis anos de vida sem filhos.
Carlos Eduardo toma cachaça para esquecer.
Aline usa drogas para viajar.
Maria Benedita paga dízimo para se salvar.
Antonio de Souza continua a economizar dinheiro para o casamento.
O Rubens, do setor de compras, insiste com o patrão que quer uma promoção. Nem pensa que nisso o Imposto de Renda tornará seu salário ainda menor.
Gisele Silva, depois de doze anos, não quer mais acreditar nas promessas de seu noivo, Antonio de Souza.
Simone, do 6º C, quer que quer o Betão só pra ela.
O Betão, do 8º F, quer todas, inclusive a Simone.
Francine, também do 8º F, seria e gostaria de ser a mulher da vida de Betão, se ele não fosse tão mulherengo...
Betão não gosta dos óculos de Francine.
Marina era casada, mas adorava Alberto e conseguia dele tudo o que queria.
Alberto seria escultor, dos melhores, mas tornou-se policial por força de seu pai.
Teresa frequentava bares e adorava homens em fardas.
Alberto, num bar, um dia, encountrou Teresa, que nem procurava e nem queria.

E o quê mais?
Aceitei outra cerveja. Não tinha porque negar.
- Bem gelada, certo? – ela disse
- Sim, claro. – respondi
Bem gelada que era pra acabar de vez com a minha voz, que mal agüentara responder que sim, mais cerveja.
Larguei todas as conversas que conversava, todos as leituras que lia e desisti de mais um “acesso negado” numa dessas coisas que pouco me importava. Com a caneta na mão, dedilhei algumas palavras, perdido de tudo, isolado por uma parede invisível dos escritórios e máquinas-ferramenta do mundo-bate-estaca-pra-ganhar-dinheiro que tanto nos enche vez ou outra. Foi só o que bastou pra ouvir, de todos os lados, as vozes que até aquele momento estavam caladas. “Ei, isso”, “ei aquilo”, diziam e não se cansavam de dizer...

O risco-rasura, maior no papel do que as letras, apareceu ali, vindo não sei de onde. Não me lembro exatamente o que estava quase a escrever... Não gosto de ler os parágrafos acima... Creio que foram as vozes, no susto que me deram. E foi só o susto. Não entendia o que queriam...

Ignorando as vozes, a caneta corria novamente:

“Na verdade, aqui, não sei o que quero dizer, como nunca soube antes. E mesmo assim já disse tantas coisas noutras folhas por aí... E ainda que a cada vez eu termine por me contrariar, estas palavras não cessam.

Está na essência do ser humano querer dizer sempre alguma coisa, não é mesmo? Nem que sejam mentiras, nem que sejam histórias (com H mesmo) e nem que sejam algumas explicações ou correções... está na nossa essência.”

E a caneta correu muito mais que isso, mas as vozes estavam sempre a atrapalhar. Não saíam dali com suas reclamações, com suas lamúrias e desculpas pra interferir a vida de qualquer um que lhes dê a mínima atenção. Fui fraco para as vozes, por momentos, mas depois queimei as palavras que tinham ditado. Caneta ainda há e papel. E também há outros lugares onde paredes invisíveis costumam ser mais fortes. Ainda há tempo para escrever qualquer coisa que eu não saiba o quê.