segunda-feira, outubro 30, 2006

Quadra


Ah! Se eu acerto a quadra,
eu chego no ponto certo?
Encontro o endereço,
entro no prédio,
se eu acerto a quadra?
Que nada!
Pego e jogo tudo o que der,
que eu quero mesmo é a sena!
Quadra nem pensar,
no mínimo a quina
que eu ajudo uma mulher
a sair dessa vida.

Se eu pego a quadra,
continuo fazendo piada,
dormindo tarde
e comendo pouco.
Se fosse a sena
até valia a pena,
eu parava de beber
e de fumar,
até passar o baque.

E como não acerto nada,
que seja!
Paro na padaria
da esquina,
tomo quatro cervejas
e desço quadra a quadra
a Rua Augusta,
que essa aí, sim,
eu sei pegar.

quinta-feira, outubro 26, 2006

O mundo é como poeira no fundo de uma gaveta.


Todas as coisas da minha gaveta vão continuar mortas quando eu me for. Todas inertes, esquecidas dos meus pensamentos. Os trocados, os papéis, minhas cartas, minhas canetas, tudo ali continuará.

O mundo passa devagar, mas passa intenso. Confunde nossa cabeça, tenta urgir nossas ações sem remorso.
O mundo todo passa por aí e o mundo todo cabe em meu campo de visão. Um quarto escuro fechado, uma noite cansativa e o silêncio do fim da madrugada, o universo que posso enxergar. Lá fora tudo continua e permanecerá assim como todas as coisas do fundo da minha gaveta. Eles correm e nós entramos e saímos e depois nos vamos e eles continuam correndo e ninguém sabe ao certo se chegam em algum lugar. Um quarto escuro fechado, um cigarro e os pensamentos soltos no ar. Ignorância minha pensar que existe algo lá fora. O universo é o meu campo de visão e fora dele tanto faz. Fora dele é o futuro ou algo do tipo e quem é que sabe?

A luz do dia resiste em me acertar e eu não quero acreditar em nada mais que isso. Enfim o dia me rejeitou e eu não posso fazer nada pra mudar essa situação, nem quero. No ar, junto com a fumaça do cigarro, algo mais pesado que pensamentos. Sinto a noite me buscar novamente e dessa vez não posso me esquivar. Esta noite não tem fim, não existe amanhecer. No quarto escuro fechado minha alma esvai-se em gotas, formando uma poça suja com os pensamentos e toda a fumaça do ar. E o resto permanece.

Eu sabia que não valia a pena correr tanto e chorar tanto pra acompanhar o ritmo histérico e sem sentido do universo. Não perdi tanto tempo com isso e agora tenho o que todos têm: um fim. Em minha gaveta, continuarão as coisas mortas e talvez alguém, algum dia, tenha tempo de enterrá-las. O universo permanecerá correndo pra chegar num lugar e encontrar alguma coisa, sabe-se lá onde e o quê, e no final enterrará o próprio corpo numa cova grande o suficiente para caber tudo o que existe. Nem a fumaça dos cigarros e os pensamentos que ficaram trancados num quarto escuro escaparão.

Tudo um dia terá um fim, mas o relógio desperta. O dia já entra pela janela e estou atrasado. Iria acender um cigarro antes do banho mas não consigo. Sentado na cama, meus pés descalços no chão, a caixa de fósforos na minha mão, o cheiro de uma noite cansativa no ar e meu olhar vago em nada, procurando alguma coisa. Não me lembro o quê. Talvez um sonho. Um sonho que se esconde fácil no fundo de umas das gavetas da minha mente.

Esqueço. Disseram que eu tenho mais o que fazer.

terça-feira, outubro 24, 2006

saudades do velho


sozinho com todo mundo

a carne cobre o osso
e eles colocam uma mente
ali dentro e
algumas vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra a parede
e os homens bebem
demais
e ninguem acha o
escolhido
mas continuam
procurando
rastejando pra dentro e pra fora
das camas.
carne cobre
o osso e
carne procura
por mais que
carne.
não há chance
alguma:
nós estamos todos presos
por um destino
singular.
ninguem nunca encontra
o escolhido.
os esgotos da cidade enchem
os ferros-velhos enchem
os hospícios enchem
os hospitais enchem
os cemitérios enchem
nada mais
enche.


causa e efeito

os melhores geralmente morrem por suas próprias mãos
apenas para escapar
e aqueles que ficam pra trás
nunca conseguem compreender
por que alguém
iria querer
escapar
deles


Charles Bukowski

segunda-feira, outubro 23, 2006

Sarau e Kerouac



Vez ou outra (raramente) eu dou um toque sobre algum lance que vai rolar aqui pelo centro de São Paulo. Hoje tem dois:

O primeiro é só uma nota rápida, pois ainda há tempo e ainda vou falar mais sobre isso por aqui. É só pra avisar que no dia 18/11 tem mais um sarau no Gruta Bar. Acho que será algo um pouco atípico, pois será aniversário de trinta e tantos anos do amigo Alessandro de Paula e aniversário de dois anos do dia em que minha mulher me encontrou num bar, sozinho, tomando cerveja e pensando na vida (é mais ou menos isso...). Além disso, será uma espécie de despedida do Rubão, bartender do lugar e "paizão" do bêbado aqui, que está indo pra Ubatuba e vai deixar saudades. Depois eu falo mais.

O segundo toque é mais urgente. Trata-se de "Kerouac", peça que está em cartaz no Sátyros 2, na Praça Roosevelt. Pra quem não conhece, o único personagem da peça é Jack Kerouac (clica aqui, por favor, pra conhecer só um pouquinho mais), o mais célebre dos escritores beats. Ele está em sua casa, com sua máquina de escrever, algum vinho e algum whisky. Ele trava um monólogo e, entre goles de qualquer coisa e batidas em sua máquina, relembra e conta histórias de sua vida, fala sobre alegrias, frustrações, preocupa-se com sua mãe, que está doente e xinga os fãs inconvenientes que insistem em bater à sua porta. Na verdade, é muito mais que isso, mas acho que não tenho dom pra crítica teatral.

Com texto de Maurício Arruda Mendonça, direção de Fauzi Arap e a interpretação foda de Mário Bortolotto. Quem puder, assista e entenda por si mesmo. Eu recomendo, já assisti duas vezes e só não assisto hoje novamente porque com R$20,00 eu posso comprar dois livros que ainda não li. Mas que dá vontade de ficar na platéia novamente, dá! E quem quiser assistir é melhor não deixar pra depois. São só mais quatro apresentações com a de hoje, e nas próximas três segundas-feiras.

Por falar nisso, os detalhes:

KEROUAC

Monólogo com Mário Bortolotto
(é o Cara nos últimos dias de sua vida, amargurado e solitário)

Apenas quatro apresentações - até 13/11

Texto : Mauricio Arruda Mendonça

Direção : Fauzi Arap

Iluminação : Fauzi Arap / Sonoplastia : Mário Bortolotto

Operação Técnica : Marcelo Montenegro /

Direção de Palco : Régis "Dona Odete" dos Santos

Bilheteria : Gabriel Pinheiro

Ingresso : R$ 20 (estudante, aposentado e classe teatral paga meia)

Só às Segundas (até o dia 13/11)
21h

Duração : 50 minutos

O Sátyros 2 fica na Praça Roosevelt, 124
Tel.:3258 6345

Aproveitem.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Bocada


- É com você que eu falo?
- O que é que você quer?
- O que todo mundo quer!
- Como assim, o que todo mundo quer? Cada um que vem aqui quer uma coisa diferente. Você vai querer o quê?
- Não sei ao certo...
- Como não? Você vem até aqui sem saber o que quer?
- Eu pensei que tinha somente uma coisa.
- Uma coisa pra cada um... e cada um quer uma coisa diferente.
- Sério?
- Sério. E aí, vai querer o quê?
- Ainda não sei.
- Ora bolas, vê se decide logo! Já tem mais gente chegando aí, e eu odeio fila. Chama muito a atenção.
- Pode atender os outros enquanto eu penso.
- Como assim, atender os outros? E você fica parado aqui?
- É. Por quê, não pode?
- Não, não pode! Dá muito na cara.
- O que eu faço então?
- Olha, você pode ir embora e nunca mais aparecer.
- Mas...
- É, eu sei. Tô olhando pra tua cara. Você tá mesmo precisando de alguma coisa.
- O que eu faço então?
- Dá uma volta por aí, depois volta e pede o que quiser.
- Dar uma volta? Não! E se eu desistir?
- Se desistir, vai embora e não me atormenta mais!
- Mas eu preciso!
- Eu sei que você precisa, então decide logo! Olha aí, a fila tá aumentando. Ô pessoal, é o seguinte, dispersa aí e disfarça! Não quero chamar a atenção. Toma uma cerveja ali na lanchonete que eu já volto!
- Então?
- Então, o quê? Eu que pergunto! E então, o que vai querer?
- Não sei ainda...
- Não sabe? Então vai embora!
- Me dá uma dica.
- Uma dica?
- É! Me indica alguma coisa.
- Te indicar alguma coisa? Cê acha que eu sei do que você precisa?
- Devia saber!
- Como assim?
- Pô, não é você que é o cara?
- Péra lá...
- Não, peraí você! Não é você que é o cara? Você devia saber do que eu preciso!
- Péra lá! Sou eu que sou o cara, sim, mas você tá começando a abusar!
- É, tá bom, desculpa. Mas me dá uma ajuda.
- Pô, cara, você abusa! Chega aqui sem saber o que quer e ainda pede indicação no que levar?
- É minha primeira vez, leva em consideração. Indica só desta vez. Você deve saber do que eu preciso.
- Tá certo!
- Sério?
- Sério!
- Então me faz esse favor!
- Só que eu vou te dar várias opções. Você escolhe o que achar melhor. Não quero ser responsável pela sua escolha.
- Várias opções? E isso ajuda?
- Algumas opções. É pegar ou largar...
- Tá bom, tá bom, tá certo! Manda ver!
- Entendeu, né?
- Entendi!
- Tá certo! Presta atenção! Olhando pra sua cara, dá até pra pensar que você precisa de um pouco de esperança, mas disso todo mundo precisa. Talvez você precise de paz, de amor ou outra coisa assim. Definição sexual eu não tenho e nem recomendo! Agora, tem muita gente igual a você que vem aqui procurar felicidade, realizações, saúde ou dinheiro. Pra falar a verdade, o pessoal vem em busca mesmo é de dinheiro, mas isso aí sai caro. Como quase ninguém tem como pagar, eu acabo oferecendo um pouco de esperança mesmo. É um produto customizado, sabe? Quase ninguém reclama. O pessoal leva e acaba se conformando. Agora, se você for daqueles que vem pedir algum tipo de salvação, já vou logo avisando que disso eu não tenho nada! É um produto que todo mundo quer de graça e no final ninguém fica satisfeito. As pessoas carregam umas idéias e idealizações na cabeça que não dá pra entender! E aí, vai querer o quê?
- Nossa, não sei ainda...
- Não sabe ainda?
- Não. Desculpa...
- Olha, então... não, peraí. Eu fui com a tua cara. Vou te arranjar uma coisa, mas é só dessa vez! Leva um pouco disso aqui.
- O que é isso?
- Não importa, vai te servir!
- Tem certeza?
- Claro, se quiser pode mandar aqui mesmo!
- Vou fazer isso, então...

- Tá vendo? Não falei que você ia gostar?
- É bom!
- Eu disse! Mas foi só dessa vez! Esse aí tá difícil de conseguir!
- Não, tudo bem! Muito obrigado!
- Ora, que isso, disponha! Só não vai se esquecer de mim!
- Não, não esqueço! Estou bem melhor agora! Muito obrigado, Jesus! Até logo!
- Vai em paz, e pela sombra!

Curta


Em primeiro plano, apenas o rosto do marido, olhando num ponto for a do quadro, com cara de espanto.
Atrás, em segundo plano, a esposa volta do banheiro (ou de qualquer outro lugar), encontra uma amiga de longa data. Na verdade, nem tão amiga assim, mas as duas mantêm a aparência:

- Oi, querida, como vai?
- Vou bem! E você? Pelo visto está ótima!
- Ai, obrigada! Você também, está linda como sempre!
- Obrigada! Bom, já vou indo!
- Mas já? Nem paramos pra conversar!
- Sim eu seu, mas tenho que ir. O Alfredo está sozinho...
- Ah, tá! Já entendi! Você não muda mesmo, viu! Tudo bem, vai lá, depois a gente conversa. Beijo!
- Beijinho, até logo!

A esposa caminha até Alfredo. No caminho olha pra ele e, disfarçadamente, para a direção que ele está olhando, ainda com a mesma cara de espanto.

- Demorei, Alfredo?

Ele continua com a mesma cara embasbacada.
Ela, já impaciente:

- Demorei, Alfredo?

Ele pisca os olhos e continua na mesma.
Ela afaga-lhe o ombro com um sorriso sádico durante alguns segundos. Depois, com os dentes cerrados, repete:

- Demorei, Alfredo?

- E dá-lhe um tapa no ombro.
- Oh, queirda, já voltou?

A esposa, com calma dissimulada:

- Já voltei, sim, Alfredo. Tudo bem por aqui?
- Oh, sim, sim, claro! - ainda olhando o mesmo lugar

Ela permanece calada alguns segundos. Olha para o rosto do marido e, descaradamente, olha novamente para a direção da qual os ohos dele não desviam.

- Tudo bem mesmo com você, amor?
- Ah, sim, claro. Acho que está tudo bem.
- Está olhando o quê?
- Ãh...? Não, quer dizer... que foi?
- O que você está olhando?
- Nada, é que...
- “É que” o quê, Alfredo?
- Estou olhando...
- Eu sei muito bem o que você está olhando, Alfredo! Você está olhando aquela mulher ali! Aliás, está olhando há quase duas horas! Você não tem vergonha nessa sua cara, Alfredo?
- Não, é que... quer dizer, tenho vergonha, sim! Você não está entendendo...
- Claro que não estou!
- Então, calma! Vem aqui. Olha pra ela!
- Olhar? Que olhar o quê? Me diz uma coisa, o que te deu na cabeça, Alfredo?
- Calma aí, vem aqui! Olha pra ela, vai. Não estou brincando, é sério! Olha só pra ela, que coisa estranha!
- Estou olhando e não tem nada de estranho, é uma mulher normal! Tão bonita quanto eu, por sinal.
- Ai, meu deus! Não estou falando disso! Olha pra ela, por favor! Presta atenção, não está vendo nada estranho?
- Além do fato de você não tirar os olhos dela, não há nada de estranho, Alfredo!
- Olha direito! Olha a cabeça dela!
- A cabeça? O que é que tem a cabeça? Lá vem você com as suas maluquices de novo! Que diabos de estranho tem a cabeça dela?
- Olha a cabeça dela! Olha! Olha o cabelo dela!
- Que que tem?
- Olha o cabelo dela! Não tá vendo?
- Não tô vendo nada de mais, Alfredo!
- Exatamente!
- Exatamente o quê? Ai meus anjos...
- Exatamente isso! Você não vê nada! Repara bem, ela não tem orelhas!!!
- O quê?
- (pausadamente) Ela não tem orelhas!
- Ah, por favor, Alfredo, não me venha com as suas maluquices outra vez!
- Eu estou falando sério, não me chame de maluco! Olha lá, ela não tem orelhas! Olha o cabelo dela, olha lá! Ela não tem orelhas e está escondendo isso de todo mundo!
- Alfredo, não vou discutir! Fala só uma coisa pra mim, se ela não tem orelhas, como está conversando com aquelas pessoas? Nem me fale que é por leitura labial, pois agora há pouco ela atendeu o chamado do dono da festa, que estava atrás dela, do outro lado da sala.
- Não estou dizendo que ela é surda, estou dizendo que ela não tem orelhas! E ela não tem orelhas, obviamente, porque é uma alienígena!
- Ai, meu deus, homem! Ficou maluco?
- Não me chame de maluco!
- Como não? Presta bem atenção no que você disse! Disse que a mulher ali não tem orelhas e que por isso ela é uma alienígena! Ouviu? Não parece um tanto estranho?
- Foi o que eu disse! É muito estranho! O que ela veio fazer aqui sem orelhas?
- Ai... O que eu fiz pra merecer isso?
- Calma, querida. Parece-me que ela não é hostil. Não vai nos fazer mail. É só a gente ficar aqui quieto e não demonstrar que sabe do segredo dela.

A mulher olha pro chão, com cara de desespero, sem saber o que fazer com as maluquices do marido. Depois de algum tempo diz:

- Alfredo, se eu te mostrar que aquela mulher tem orelhas, você jura pra mim que para com essa paranóia?
- O que você quer provar? Olha pra ela, a cabeça dela, o cabelo... é evidente que ela não tem orelhas! Está mais do que provado! Além disso, o que você quer fazer? Quer chegar lá e perguntar “com licença, mas onde a senhorita deixou as orelhas hoje”? Você é que tá maluca!
- Alfredo, essa foi demais! As orelhas estão lá e eu vou te mostrar agora!

Ela sai andando em direção à tal mulher, mas ele segura o seu braço, numa atitude receosa, com medo do que pode acontecer.

- (energética) Alfredo, solta o meu braço e vem comigo!!!

Ele obedece e sai logo atrás dela.


Ela:
- Oi, querida, com licença...

Ele treme.

A tal mulher:
- Sim, claro!
- Posso dar uma olhada nos seus brincos?
- Claro - e puxa os cabelos para trás.

Os brincos estão lá, com todas as orelhas.

- Ora, são lindos! Desculpe incomodar, mas tenho essa mania. E quando te vi, soube de início que seu único pecado é o bom gosto! Adoro brincos, sabe? Você é linda, baby. Muito obrigada e até logo!
- Obrigada pelos elogios! Até logo!

Sai puxando o marido, que volta com uma cara de espanto ainda maior.
Ela está triunfante.

- E então, Alfredo?
- Você viu as orelhas dela?
- Claro que vi! E você também viu, all right?
- Você viu as orelhas dela?
- Já disse que sim!
- É que...
- É que o quê?

Com o olhar vago no chão, ele pensa durante alguns segundos.

- É que o quê, Alfredo?
- É que... você viu as orelhas dela?
- Eu vi as orelhas dela, você também viu e vamos parar logo com isso, Alfredo!
- Então... as orelhas...
- As orelhas?
- É que...
- O quê?

Segundos de silêncio, suspense.

- Acho que são postiças...

O quadro fecha no rosto do marido, com o olhar vago no ar, pensando, e um mínimo sorriso de certeza. Em segundo plano, a mulher leva uma das mãos à testa, incrédula, e sai de cena. Fecha o quadro ainda mais no rosto do marido. Ele ainda com o mesmo olhar, o mesmo sorriso e a mesma certeza.
Sobem os créditos.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Sarau PQP

O sarau foi no sábado.
E foi foda!

Pra variar, chegamos tarde, eu e minha menina, lá no Gruta Bar, mas o pessoal já estava esquentando com o bate-papo e as cervejas. O Alessandro estava no balcão conversando com o Rubens e mais algum pessoal (desculpem os nomes esquecidos). O Rodney (Rodnei?), que apareceu com a mulher foi a primeira surpresa da noite (a segunda tem a ver com ele também). Isso lá na frente, no balcão. Nas mesas de xadrez, alguns frequentadores rotineiros do lugar, o Xandó e um amigo dele, mais um pessoal que eu não conhecia e que estava ali pra participar do sarau. Mais atrás, perto das mesas de bilhar, Prestor e Erika com um casal de amigos; numa das mesas de bilhar, a Mhel com seu namorado. O Marco e o Bruno chegaram pouco depois de mim. Todos cumprimentados (ou não) voltei ao balcão e pedi pra Betty, mulher do Rubão, uma cerveja. O sarau estava prestes a começar.

Ao som de Bob Dylan, o Rubão começou lendo um texto do Moacir Scliar que falava sobre os idosos no mundo todo. Sobre como essa fatia da população tende a crescer e sobre diferenças dos idosos de antes para os de hoje. O texto jogava muitos dados de pesquisas realizadas por não me lembro quais instituições. Foi legal.

Continuaríamos. Talvez o Alessandro estivesse preparando um texto para ler, quando nosso novo amigo, o Couto, comentou alguma coisa sobre o texto que o Rubão tinha lido. Algo sobre os direitos dos idosos, mas também dos jovens. O comentário dele foi respondido e iniciou-se uma discussão.

Nessa hora eu estava sentado no chão, ao lado do balcão. Estava muito cansado. Quase não tinha dormido nas noites anteriores. Estava tão podre que mal tinha forças pra tomar coragem e ler alguma coisa minha ali.

A discussão continuou e já estava fugindo do assunto do qual surgira. Uns e outros tentavam encerrar aquilo, que já estava ficando chato. Uns e outros continuavam discutindo. Eu, que estava mal o suficiente pra nem entender o que eles estavam discutindo, estava reunindo forças pra dar um grito e puxar um texto. O Marco levantou e deu o grito. Gritei o nome dele e passei pra ele um texto meu, “A Multidão”. Achei que teria alguma coisa a ver com a situação.

Depois disso a ordem cronológica dos fatos fica comprometida, pois meu cérebro está um pouco deteriorado pela vida e costuma se apegar somente aos fatos mais importante, pra não gastar muito espaço.

Sei que logo em seguida veio a outra surpresa do Rodney. Aquele cara gente fina que durante a semana bate no balcão conversando com a gente também escreve. E escreve bem! E interpreta o que escreve! E interpreta bem pra cacete! Leu um texto dele chamado “Barracão”, que me apertou a garganta e lacrimejou os olhos. Coisa rara de acontecer ainda na primeira cerveja. E o cara nunca tinha dito nada!

Logo após, a Mhel leu. Um texto dela que eu não me lembro o nome. Muito bem construído. Muito foda! Vou ver se pego com ela um dia e colo aqui.

O Alessandro leu outro texto meu, “Uma Puta Esperança”. Leu textos dele também: “O Gosto do Papel Velho” e “Eu digo não”.

A Erika leu um meu, chamado “Erika (Todos os Sentidos)

O pessoal que eu não conhecia leu alguma coisa também.

O Igor chegou, atrasadíssimo, pra variar!

O Couto, certa hora, pegou uma meia hora só pra ele. Foi cansativo, mas foi válido.

Depois dele entrou o fantástico Adestrador de Lesmas com sua poesia dadaísta espirrada numa performance agitada.

Houve alguns intervalos também.

Eu leria uma do Alessandro, mas o Rubão roubou de mim. Combinamos de fazer um lance, então. Enquanto ele lia, eu “sublinhava” alguns trechos da poesia. Ficou legal. O nome dela é “O Erro”.

Minha menina, a Alessandra, apresentou uma performance do texto “Gota D’água”. O pessoal gostou bastante.

Várias cervejas noite adentro, finalmente tomei coragem pra ler alguma coisa. Peguei dois textos, o “Pastores, ovelhas, ratos...” e o “Não dá!”. Este último, pretendo publicar aqui ainda esta semana.

Mais alguns textos e cervejas e mais um intervalo. Fui comprar cigarros em outro bar, porque lá não vende cigarro, e na volta fiquei conversando com um catador de papelão que tinha pedido um trago. Isso foi na hora em que chegou no Gruta um cara que sempre atrapalha nosso sarau.

Nem lembro o nome dele. O cara sempre quer o espaço só pra ele, e quando os outros estão lendo, fica atrapalhando. Entrou, atrapalhou. O pessoal decidiu dar fim ao sarau. Já tinha sido bom demais, já eram quase três da manhã e ninguém queria arrumar confusão àquelas horas.

Quase ninguém...
A sorte foi que eu fui comprar cigarros e na volta encontrei com o Cláudio Roberto. O nome dele eu lembro, o do catador de papelão.

O pessoal foi saindo, indo embora. Ficamos no balcão Rubão, Betty, Igor, minha menina Alessandra e eu. Tomamos mais umas duas garrafas, fechamos o bar e fomos embora sob a luz do sol.

Betty e Rubão foram dormir. O Igor foi lá pra casa. São uns quarenta quilômetros de distância. Disseram que fui eu quem dirigiu o carro nesse caminho...

É mais ou menos isso o que eu lembro do sarau de sábado.
Infelizmente, não existem fotos para provar ou desmentir.

Na segunda-feira, estava de volta no Gruta. O Alessandro estava lá e também o Couto e o Déh (que tocaria violão no sarau, mas teve de ir embora), além, é claro, do Rubão.

Ao som do violão do Déh, Rubens, Alessandro e eu, montamos isso aí embaixo. Saiu de repente e não tem pretensão de significar alguma coisa.


que mania tem você
de quê?
de acender um maço
um maço a cada cigarro
e fumar
fumar o quê?
fumar quatro ou cinco
pra quê?

que mania tem você
de conquistar uma mulher
o que você quer?
Se a cada uma delas
mesmo que seja a mesma
você conquista mesmo a todas
do jeito que der

E as canções que você canta
em mente
A semente da mentira
não-intencional
Por que você finge sem se dar conta
Quando você percebeu que a realidade
não vale a pena?
E então você faz pose
Até pra contradizer a música
que toca na mente
Sabendo que uma realidade
distorcida é o único caminho
para ser livre,
mas é preciso fingir... ah!

Porra, mas que porra!
Vocês não vão parar com isso nunca?
Estou fingindo, contradizendo?
Quem? O quê?
Porra, mas que porra!
Eu não sou adestrador de lesmas!

terça-feira, outubro 03, 2006

Entrevista – Teste para personagem



- O que você vê no mundo?
- Pôxa, cara. Eu vejo essas coisas que aparecem por aí... Terremotos, aviões que caem, maremotos. Cara, eu adoro tsunamis... aquelas ondas enormes vindo pra praia... só não tenho coragem de dropar! Vejo também sabe o quê? Batida de carro e tudo. Eu não sou trágico, não. É que eu gosto de ação, sabe cara. Fazer alguma coisa bem radical, pular de pára-quedas...
- Você acha radical pular de pára-quedas?
- Orra, se não! Vou te falar, deve ser uma puta duma vibração legal que a gente sente lá em cima (olhando pra cima, pro teto), sair voando assim igual os pássaros.
- No caso, você não estaria voando, estaria caindo. E apenas pássaros mortos caem, como quando eles morrem de ataque cardíaco.
- Pôxa, cara, você é que é trágico.
- Você já viu um pássaro morrendo de ataque cardíaco?
- Nunca vi, mas deve ser perigoso!
- É muito perigoso. E se eu te pedisse pra fazer um papel desses... por exemplo, morrer durante uma queda de pára-quedas?
- De ataque cardíaco?
- Pode ser, embora eu possa pensar em algo mais original.
- Posso fazer, estou aqui pro que der e vier.
- Mas, nesse caso, seria sua primeira e última, como posso dizer... cena, participação? Isso! Seria sua primeira e última participação. E além disso seria como coadjuvante de outra história, e a atenção dispensada para o seu papel não seria mais que duas, três linhas... Nesse caso, o que você me diz?
- Pôxa, desse jeito não dá! Que porcaria de história é essa?
- Fala sobre pássaros.
- Pássaros? E você quer que eu morra no ar numa história de pássaros?
- Pode ser.
- Acho que tenho capacidade para mais que isso, além do quê, meus talentos não podem ser desperdiçados em troca de um simples capricho numa história.
- Não seria um simples capricho. Na verdade você cairia na cabeça do irmão bastardo do personagem principal. E a morte causada pela sua queda seria lembrada depois de umas quarenta ou cinqüenta páginas, reavivando no irmão, o herói do causo, a vontade de viver e realizar seus desejos. É pegar ou largar.
- Tudo bem, vai. Mas não é por causa dessa história de (imitando o escritor) “reavivar a vontade de viver do mocinho”.
- Sério?
- Tô falando, eu aceito, apesar de tudo...
- Mas, quer saber, acho que mudei de idéia.
- Do quê?
- Espera aí.
- Espera o quê?
- Espera aí. Deixa eu pensar.
- Pensar o quê? Não tá tudo certo?
- Ainda não.
- Era só o que faltava. Aproveita que você tá pensando e esquece essa história de pássaros. Faz uma história sobre pára-quedismo.
- Isso não, prefiro pássaros.
- Ai, ai, ai! “Prefiro pássaros, prefiro pássaros”. Você só pensa em pássaros?
- Na verdade, não. Acontece que tive essa idéia e não tenho motivo nenhum para desistir.
- Tá certo... que pássaros são?
- Periquitos australianos.


- Periquitos australianos? Você vai me colocar pra cair em cima de um periquito australiano? Que tolice é essa? Você deve estar brincando! Ora, bolas. Periquitos australianos! Por quê, periquitos australianos. Não poderia ser uma pomba, um avestruz ou uma história sobre PÁRA-QUEDISMO?
- Não. Será sobre periquitos australianos.
- Por quê?
- Um trauma de infância.
- Que tipo de roteiro é esse?
- Roteiro pra novelas.
- Novelas? É piada? Novelas?
- Não, não é piada.
- De onde é que você conhece novelas interpretadas por periquitos australianos?
- Não existe, essa é a coisa boa!
- Você é louco! Você não consegue se enxergar, não é? Primeiro você procura um personagem pra simplesmente cair de um avião...
- Não seria de um avião. Você cairia de um balão meteorológico.
- Balão meteorológico? O que eu estaria fazendo num balão meteorológico?
- Fazendo manutenção. Na verdade você estaria lá por engano. Alguém soltaria as cordas enquanto você estivesse fazendo a manutenção. Nem perceberia e pularia do balão, morrendo de ataque cardíaco logo em seguida.
- Era só o que me faltava... não... tudo bem... calma... Você procura um personagem pra simplesmente cair de um (imita o escritor) “balão meteorológico”, morrer durante a queda e cair na cabeça de um periquito australiano, irmão bastardo do personagem principal numa “NOVELA” sobre periquitos australianos? Periquitos australianos? Ora, bolas! (ironicamente) Eu sou o personagem ideal! IDEAL, tá ouvindo?
- Bom...
- Não, não, desculpa. Desculpa falar assim, foi só um momento de euforia... eu aceito sim, o lugar.
- Bom, sabe que você tem razão?
- Tenho?
- Claro, que idéia a minha de fazer você cair na cabeça de um periquito australiano...
- Tá vendo, entendeu?
- Vou matar esse periquito com um tiro. Um tiro de caçador. É , mais verosímil. Você pode ir embora. Próximo.
- Mas...
- Mas, mas, o quê? Pode sair, vai! Próximo, por favor, pode se aproximar...

segunda-feira, outubro 02, 2006

Sarau dia 07/10, às 21:30

No lugar de sempre:

Espelho Palavra


Olhos vermelhos. Um ligeiramente mais aberto que o outro, por sinal. O nariz também vermelho, embora tenha um tom esverdeado onde as sobrancelhas se tocam. Estas, uniformes e com alguns pêlos grisalhos. Minhas orelhas estão escondidas pelo cabelo ressecado, de onde caem fios brancos e caspa sobre meu ombro. A barba, completamente informe e mal aparada, já está com o comprimento necessário para proteger minha face dos ventos frios. Tudo isso combinando harmoniosamente com o meu corpo.